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Prevenindo o diabetes…com vermes?

Uma nova frente de pesquisa utiliza parasitas de porcos no combate ao diabetes tipo 1 humano. Entenda a Ciência por trás da impressionante e polêmica idéia!

Imagine que seu médico lhe receite, como tratamento para o diabetes, beber um copo de um líquido transparente, sem cheiros estranhos ou gosto diferente. À primeira vista, é um copo de água comum. Todavia, o doutor avisa que, misturado ao líquido, há centenas de ovos de um verme intestinal. Uma vez ingeridos, eles se desenvolverão dentro do seu intestino, dando origem a centenas de parasitas como os da foto abaixo. E isto, ele garante, ajudará a aplacar os efeitos do diabetes no corpo. Você encararia o desafio?

É exatamente este tipo de tratamento que um laboratório norte-americano começará a testar no início de 2013. De acordo com os pesquisadores, há fortes evidências de que os bichinhos podem realmente ajudar a combater o diabetes.

Placa com centenas de parasitas retirados de um porco – são seres iguaizinhos a estes que serão utilizados no experimento.

A Ciência por trás da idéia

Qual seria a maluca relação entre ingerir ovos de vermes e curar o diabetes? A idéia tem tudo a ver com a chamada “hipótese da higiene“. Vamos ver do que ela se trata.

Há bastante tempo se percebeu uma tendência curiosa no mundo da medicina ao se analisar dados históricos de prevalência de certas doenças. De um lado, cada vez mais somos capazes de curar enfermidades, como infecções e viroses, e como conseqüência as pessoas vivem mais e melhor. Por outro lado, as taxas de incidência de doenças autoimunes – aquelas causadas pelo próprio sistema imune “em pane”, que ataca células do próprio corpo – só aumentam. Como explicar esta maior tendência do sistema de defesa do corpo de entrar em colapso sendo que podemos cuidar melhor dele, desde a nossa infância? Alguns cientistas acreditam que é justamente esse cuidado obsessivo em curar rapidamente qualquer doença ou infecção que acaba gerando problemas no futuro. Segundo eles, vivemos em um mundo “higiênico” demais. Com isso, desde que nascemos, evitamos entrar em contato com muitos patógenos não-perigosos que naturalmente ajudam a estimular o sistema imune. Conforme crescemos com este sistema de defesa “mal treinado”, as chances de ele entrar em colapso – causando assim as doenças autoimunes – tendem a aumentar.

Em vista da “hipótese da higiene”, há cientistas que acreditam que boa parte das doenças autoimunes pode ser prevenida – ou até mesmo combatida – se “reensinarmos” o sistema de defesa do corpo a atacar os elementos verdadeiramente nocivos à saúde. A questão, então, é: como reeducar o sistema imune? Como ensiná-lo a proteger o organismo, sem colocar a saúde do paciente em risco durante o processo? É aí que entram os ovinhos de parasitas.

O nematódeo Trichuris suis ao microscópio.

Conheça os pequenos vermes Trichuris suis

Só há um jeito de fazer o nosso sistema de defesa aprender a defender o organismo: colocando-o numa briga e fazendo-o ganhar experiência. Se isto não acontece naturalmente – como defende a “hipótese da higiene” -, então é possível “simular” um ataque ao corpo.

Quando o paciente ingerir o líquido com os ovos, em pouco tempo terá dentro de si centenas de seres estranhos ao organismo. Os vermes, da espécie Trichuris suis, serão rapidamente reconhecidos pelo sistema imune, que passará a combatê-los. A grande idéia dos cientistas é que, com isso, ele deixará de atacar tecidos do próprio corpo – que é o que acontece nas doenças autoimunes – e se concentrará em eliminar os invasores. Desta forma, a doença autoimune deixará de progredir, dando chance, inclusive, para que o corpo se regenere. Conforme afirmou Karin Hehenberger, uma das líderes desta inovadora frente de pesquisa, a idéia “é resetar o sistema imune – ao invés dele atacar a si próprio, ele atacará bactérias, vírus, seres vivos – enfim, os verdadeiros patógenos.”

Outra excelente sacada dos pesquisadores é utilizar no projeto os vermes Trichuris suis. Eles são parasitas altamente específicos de porcos. Isto significa que estes vermes só conseguem chegar à fase adulta, se reproduzir e gerar mais ovos se estiverem dentro de suínos. No homem, os ovos ingeridos vão eclodir e pequenos parasitas habitarão o intestino. Mas eles nunca crescerão o suficiente para se reproduzir. Além disso, por serem específicos dos porcos, os Trichuris suis não causam doenças no homem. Outra vantagem: eles são naturalmente eliminados do organismo em cerca de duas semanas. Karin afirmou que o tratamento é “o remédio perfeito”, pois faz efeito durante estas 2 semanas e depois some completamente. Um último ponto positivo: estes vermes não são transmissíveis por contato, então é bem difícil alguém que estiver em tratamento contaminar o resto da casa.

Karin Hehenberger, uma das líderes do inovador projeto de pesquisa com parasitas.

Fechando o link entre os vermes e o diabetes

Utilizar Trichuris suis no tratamento de doenças autoimunes não é exatamente uma novidade. Pesquisas assim já existem há pelo menos um ano. O primeiro alvo dos estudos foi a doença de Crohn, um mal intestinal. Os resultados foram bastante positivos, e com isso abriu-se espaço para o estudo de novas doenças. O laboratório Coronado Biosciences, onde Karin é vice-presidente executiva e chefe médica, mantém linhas de pesquisa sobre o uso de Trichuris suis no tratamento de esclerose múltipla, artrite, doença de Crohn e, agora, diabetes.

É importante lembrar que o diabetes tipo 1 é uma doença autoimune. Ela ocorre quando o sistema de defesa ataca o próprio corpo – mais especificamente, quando ele ataca as célula do pâncreas que produzem a insulina. Com isto, a produção do hormônio diminui, o organismo não consegue utilizar adequadamente o açúcar na corrente sangüínea e tem-se, então, o diabetes.

A empresa aposta alto no tratamento de diabéticos. No início de 2013 começam três frentes de pesquisa, duas delas focadas na prevenção da doença. Uma delas utilizará a técnica com os parasitas em crianças e jovens. A idéia é que, por serem mais novos, estes pacientes terão um sistema imune mais “plástico” e será mais fácil reeducá-lo. A outra frente trabalhará com jovens adultos e adultos que acabaram de ser diagnosticados com a condição. A hipótese, neste caso, é que o tratamento poderá impedir uma maior destruição do pâncreas pelo sistema imune, diminuindo a necessidade do uso de insulina no futuro.

Se esta inovadora e polêmica idéia dará resultados positivos ainda é um mistério. Muita gente gabaritada aposta alto que sim. Karin Hehenberger é uma delas. Além da trabalhar para a Coronado Biosciences, ela própria é diabética tipo 1 e já sofreu bastante com a doença (o que inclui o transplante de um rim e de pâncreas). Segundo Karin, testes prévios realizados em camundongos conseguiram, de fato, prevenir o diabetes através dos Trichuris. Talvez não seja a sensação mais agradável do mundo saber que centenas de vermes estão habitando o seu intestino. Mas, se eles ajudarem a combater o diabetes, com certeza serão bem-vindos!

Quem diria que eles poderiam ajudar – mesmo indiretamente! – na cura do diabetes?

 

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