Jornal Nacional ERRA feio em matéria sobre diabetes
Veiculada na última sexta-feira, reportagem repete erros cometidos por relatório, não ouve quem entende do assunto e coloca medo em diabéticos baseada numa mentira.
ESCRITO POR CARLOS MONTEIRO, ESPECIAL PARA O DIABETICOOL
Antigamente, fazer jornalismo significava ter o mínimo de curiosidade e espírito crítico em relação às matérias divulgadas. Era por isso que os bons repórteres sempre buscavam ouvir “os dois lados da história”, em busca de informações que permitissem entender, da melhor maneira possível, o que seria exposto à população. Vai que falassem uma grande bobagem, baseados apenas em um lado da história, não é mesmo?
Hoje em dia, parece que fazer jornalismo significa, simplesmente, repetir como um papagaio algum comunicado que soltam para a imprensa – acabou o espírito crítico, acabou a curiosidade, acabou essa história de “ouvir os dois lados”.
Foi o que aconteceu na noite desta sexta-feira, quando uma matéria da repórter Monalisa Perrone colocou medo na cabeça de milhões de diabéticos brasileiros ao dizer que eles estão condenados a sofrer de câncer no pâncreas e outras doenças só porque usam remédios como a metformina, um dos medicamentos mais seguros já inventados para tratar o diabetes tipo 2 (clique na imagem abaixo para assistir ao vídeo da reportagem).
A história, resumidamente, é a seguinte: no início do mês, a Vigilância Sanitária de São Paulo divulgou um alerta (leia-o aqui) avisando que medicamentos baseados nas incretinas poderiam causar doenças no pâncreas. E por que a Vigilância Sanitária acha isso? Porque um ou outro estudo, de escopo “limitado” (segundo o próprio relatório), apontou que, no longo prazo, estes medicamentos poderiam levar a distúrbios pancreáticos, e também porque a agência recebeu notificações de reações adversas a medicamentos que parecem apontar para o mesmo norte.
O relatório da Vigilância diz, também, que muita gente anda injetando incretinas não para tratar o diabetes, mas para emagrecer, uma vez que a venda destes medicamentos é liberada pela ANVISA sem prescrição médica.
Se as incretinas são um perigo para a saúde e se há muitas pessoas utilizando-as da maneira errada (para emagrecer), então a Vigilância alerta para que os médicos receitem-nas APENAS para tratar o diabetes tipo 2 e que fiquem de olho em possíveis complicações pancreáticas nos pacientes.
AS LAMBANÇAS
1 – A VIGILÂNCIA SANITÁRIA JAMAIS FALOU MAL DA METFORMINA (mas a “ótima” reportagem do Jornal Nacional imaginou que sim)
Veja a figura logo acima, que mostra a lista das incretinas divulgada pela Vigilância Sanitária. Perceba que a metformina aparece ASSOCIADA ao princípio-ativo de 4 medicamentos. Sabe por que ela aparece associada? PORQUE A METFORMINA NÃO É UMA INCRETINA! O relatório da Vigilância avisa sobre os perigos das incretinas apenas, mas isso não impediu a reportagem do Jornal Nacional de incluir a metformina – repito, um dos medicamentos mais seguros no tratamento do diabetes tipo 2 já inventados – de aparecer na lista da reportagem.
2 – O TEXTO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA SE BASEIA EM SUPOSIÇÕES QUE PODEM ESTAR EQUIVOCADAS (e não sou só eu que acha isto!)
Outro ponto: o relatório da Vigilância Sanitária faz um auê danado em cima de meras suposições. Ele diz que a Agência Européia de Medicamentos (EMA) “publicou alerta sobre o perfil de segurança destes medicamentos (incretinas)” e que a agência regulatória dos Estados Unidos (FDA) “publicou alerta de segurança indicando possível associação entre o uso de terapia baseada nas incretinas e o aumento do risco de pancreatites e neoplasia pancreática”. Ora, parece que as incretinas são o horror, não?
Bem, faltou dizer que estes “alertas” da EMA e da FDA foram feitos na época que as incretinas eram medicamentos novos e estavam sendo testados. QUASE TODO MEDICAMENTO GERA EFEITOS COLATERAIS, QUE SÃO EXTENSIVAMENTE ESTUDADOS PARA GARANTIR A SEGURANÇA DE QUEM TEM QUE TOMÁ-LOS.
Ainda há MUITA polêmica sobre o assunto na comunidade médica – ou seja, ninguém tem certeza se as incretinas são 100% seguras em relação aos efeitos colaterais. O fato é que elas continuam a ser liberadas porque NÃO HÁ, EM HIPÓTESE ALGUMA, PROVAS DE QUE ELAS GERAM CÂNCER NO PÂNCREAS OU DEMAIS DOENÇAS. REPITO: NÃO HÁ EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DE QUE ELAS FAZEM MAL À SAÚDE.
Há indícios, apenas, mas nada comprovado. Um estudo publicado mês passado no The New England Journal of Medicine afirma que tanto a EMA quanto a FDA, após analisarem tudo o que se sabe hoje sobre as incretinas, concluem que não é possível fazer uma associação entre elas e câncer de pâncreas ou pancreatite – mesmo assim, as agências continuarão de olho nestes possíveis efeitos colaterais, como é de se esperar.
3 – COMO QUE A REPÓRTER NÃO ENTREVISTOU QUEM MAIS ENTENDE DO ASSUNTO ? (ou então “como que não passou pela cabeça da dona Monalisa conversar com alguém da Sociedade Brasileira de Diabetes?”)
Em uma matéria que afirma, de maneira mentirosa, que um dos medicamentos mais usados para cuidar do diabetes tipo 2 pode provocar câncer, e que botou muitas minhocas na cabeça de milhões de pessoas que usam a metformina, em momento algum vemos alguém que entende de diabetes dar sua opinião sobre o tema.
Mas não se preocupe, porque os verdadeiros especialistas não tardaram a falar o que pensam. Segue comunicado oficial da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), endossado também pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) :
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) vêm através deste comunicado conjunto contrapor informações veiculadas na edição do Jornal Nacional de 28/03/2014 sobre a ocorrência de efeitos adversos de medicações anti-diabéticas.O texto da matéria, ressalta, entre outras infomações:“Para o coordenador do núcleo de estudos da Vigilância Sanitária, a situação é grave. ‘A gente tem percebido, principalmente, a ocorrência de pancreatite, alguns casos de câncer pancreático e também reações adversas na tireoide, como neoplasia de tireoide’, revela Adalton Guimarães Ribeiro, diretor do núcleo de estudos da Vigilância Sanitária de São Paulo. Na mira da Vigilância Sanitária, uma lista de dez medicamentos, com sete princípios ativos: liraglutida, exenatida, linagliptina, metformina, saxagliptina, sitagliptina e vildagliptina.”Este texto contém incorreções importantes, tais como:
1. é absolutamente incorreta a inclusão da metformina nessa lista; este fármaco é utilizado no tratamento do diabetes há várias décadas, está consagrado, e faz parte de simplesmente todos os consensos científicos nacionais e internacionais sobre o tratamento do diabetes como medida inicial de conduta. Ela definitivamente não está associada a qualquer dos efeitos colaterais mencionados na matéria.
2. as demais drogas citadas estão sendo alvo de ampla discussão pelas sociedades científicas, no mundo todo, já há alguns anos, a respeito de seu potencial de causar doenças no pâncreas e na tireóide. As evidências até o momento, que estão consolidadas em documentos de consenso das duas maiores entidades científicas internacionais da área de diabetes, e endossadas pelas entidades científicas brasileiras, apontam para a ausência de relação causal entre esses tratamentos e aquelas doenças. O assunto, porém, ainda está em aberto na comunidade médica científica internacional.
3. o alerta diz respeito ao fato de que alguns destes princípios ativos, especificamente os de uso injetável, realmente estão liberados pela ANVISA para venda livre, sem prescrição. A SBD e a SBEM posicionam-se contrariamente a esta regulamentação, sendo da opinião de que deveria haver maior controle sobre a prescrição e dispensação destes remédios injetáveis.
Mais um pouco de informação? O Dr. Alexandre Hohl comentou o seguinte na página de Facebook oficial da SBD:
A reportagem do Jornal Nacional de ontem compara, de maneira equivocada, a metformina com as novas classes de medicamentos para tratar diabetes mellitus tipo 2.
Outro erro grave é considerar que todo diabético que usa tais medicamentos necessite monitorização contínua da tireoide. O câncer de tireoide está cada vez mais comum na população geral. O GLP1 tem muitos receptores na tireoide (células C) de camundongos, mas poucos receptores na tireoide humana. Além disso, a maioria dos tumores de tireoide são papilíferos ou foliculares, sendo rarissimos os tumores medulares de tireoide.
Em suma: muitos erros, muita bobagem, muitas mentiras. Alguém deveria voltar pra escola de jornalismo e outros “doutores” deveriam pesquisar um pouco mais antes de sair vomitando seus relatórios “de estudo” sobre problemas de saúde.
A conclusão: para quem toma metformina, continue o tratamento numa boa. Quem toma incretinas, também. Podem ficar tranqüílos. Ponto.
Remissão do diabetes tipo 2 é uma realidade cada vez mais frequente, afirmam entidades médicas
Um dos termos mais procurados junto com “diabetes” é “cura“. Afina…
Os “doutores” se colocam a disposição para fornecer artigos científicos “não patrocinados” e atualizados referente a segurança na terapia com os medicamentos da classe das incretinas. Também nos colocamos a disposição para explicar e ensinar princípios básicos de Vigilância (Regulação) sanitária.
att.
Adalton G. Ribeiro
CVS-SES-SP
Boa tarde, sr. Ribeiro
Sinta-se à vontade para expôr uma visão diferenciada, contanto que seja cientificamente válida, sobre o assunto em questão. Tenho certeza de que o pessoal do Diabeticool não se oporá a uma contra-argumentação ao meu texto.
Aliás, estimulo-o a fazer isto, pois realmente me faltam conhecimentos “básicos” para compreender certas coisas – como por exemplo a sua menção a artigos científicos “atualizados” e “não patrocinados” (o paper que menciono na matéria foi publicado há um mês e não possui absolutamente nenhum conflito de interesses, como pode ser visto aqui: http://www.nejm.org/doi/suppl/10.1056/NEJMp1314078/suppl_file/nejmp1314078_disclosures.pdf )
Por fim, que fique claro que a polêmica toda foi causada pelo erro crasso da reportagem ao incluir a metformina na suposta lista da Vigilância Sanitária, e é isto que veementemente condenamos. As demais críticas, conforme o texto claramente demonstra, são de caráter puramente especulativo e ilustram o ponto de que existe “um outro lado da história” que deixou-se de ser mencionado.
Atenciosamente,
Carlos Monteiro
Prezado Carlos Monteiro, quando cito “Artigos Científicos Patrocinados” me refiro aos artigos que mostram apenas os resultado de interesse, mas como Vigilância Sanitária é necessário avaliar as duas vertentes, a que apresenta resultados de interesse e as publicações que vão contra os resultados de interesse, incluindo também nesta avaliação a “literatura cinzenta” e neste caso também estamos “do outro lado da História”.
O Alerta publicado pelo CVS-SP, se baseia no princípio da precaução, ou seja os medicamentos referidos no Alerta (as Incretinas) devem ser usados em pacientes com Diabetes Tipo II, e a função pancreática e tiroidiana deve ser avaliada, o que certamente trará mais segurança aos pacientes. E também alerta para indicações não aprovadas, como emagrecedor (totalmente disseminado) pois não essa indicação aprovada no Brasil e em nenhum país do mundo. O Alerta tem como meta principal, a segurança dos pacientes.
Aproveito para informar que foi realizado analise de causalidade para todas as notificações envolvendo as reações adversas citadas no alerta terapêutico , ou seja, 2.318 notificações. Para essa avaliação foi utilizado o Algoritmo de Karch e Lasagna (Karch FE, Lasagna L. Toward the operational identification of adverse drug reactions. Clin Pharmacol Ther. 1977 Mar;21(3):247–254.) que evidenciou esta relação de causalidade.
Agradeço o envio do artigo. Segue também algumas informações:
http://www.ismp.org/QuarterWatch/pdfs/2012Q3.pdf
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?cmd=Link&dbFrom=PubMed&from_uid=22345417
Obrigado pela atenção.
Cordialmente
Adalton G. Ribeiro
CVS-SES-SP
Prezado Adalton,
o Diabeticool agradece pelos esclarecimentos e envio de material para estudo. Visando a boa saúde de todos que estão com diabetes e eventualmente tenham que tomar medicamentos baseados nas incretinas, vamos acompanhar com atenção o desenvolvimento das pesquisas científicas sobre o assunto.
Endossamos o papel fundamental da Vigilância Sanitária nesta construção do conhecimento médico e, assim como reiterou o sr. Carlos Monteiro, reforçamos nosso desagrado com a maneira pela qual a equipe de jornalismo do JN prestou um desserviço à população ao veicular uma reportagem mentirosa e, a seguir, culpar o relatório da Vigilância por algo que nunca fez (incluir a metformina na lista das incretinas, um “fato” criado pela jornalista Monalisa Perrone).
Equipe Diabeticool
Isso é lobby das indústrias farmacêuticas. Novos medicamentos estão chegando ao Brasil. Por serem menos eficientes que a metformina, criaram essa armação, usando, claro, a mídia comprada e manipuladora, exemplo maior a Globo, que irresponsavelmente vinculou a matéria forjada.
Por outro lado, a comunidade médica não participou da campanha e demonstrou o disparate do relatório governamental e seus verdadeiros objetivos, ou seja, retirar do mercado brasileiro uma droga segura e eficiente e colocar outras novas sem garantias e menos eficientes. é isso.
Eu nunca tive nada além de triglicerideos e açucar um pouco alto, comecei um tratamento temporário junto com uma dieta e com essa metilformina, ganhei uma pancreatite aguda. Já passou, tá tudo normal, mas durante a crise só podia comer de pouquinho em pouquinho, se não vinha a dor, a bradicardia seguida de uma taquicardia e pressão baixa, dava medo de comer, de,orou mais de um mês para sumirem esses sintomas. Não tem mentira nessa reportagem não, o lobby veio depois da reportagem.
Oi, Will, tudo bem?
De fato, às vezes as medicações e tratamentos para diabetes podem causar efeitos colaterais graves, como a pancreatite. Porém, a questão aqui da matéria é que a metformina nunca foi acusada pela Vigilância de causar pancreatite – quem errou foi a repórter.
Existem relatos na literatura científica de que a metformina pode causar a pancreatite, porém são casos raros. No geral, ela é considerada um dos medicamentos mais seguros e com menos efeitos colaterais para tratar o diabetes.
Vale lembrar que estar com diabetes, por si só, já é um fator de risco grande para o desenvolvimento de pancreatite, então às vezes é complicado discernir se a inflamação é decorrente da doença ou do uso de algum medicamento.
Esperamos que você já esteja melhor! Um abraço,
Hoje dona Monalisa e apresentadora de telejornal, quero ver se ela chamar um outro repórter e fazer uma matéria sobre esse tema e errar de novo, o que vão dizer do outro, aqui nesse site.
Também achamos interessante que justamente a jornalista que cometeu um erro tão crasso e absurdo no maior telejornal brasileiro é “promovida” deste jeito!
Meu caro ela e mais apresentadora do que repórter. mas que ela erra, há sim.