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Diabetes tipo 1: um desafio a ser superado pelas crianças e pelos pais

Em um texto emocionante, Ronaldo Wieselberg relembra sua história com o diabetes tipo 1, conta as dificuldades enfrentadas ao longo dos anos e dá dicas de como superar os desafios.

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Texto por Ronaldo Wieselberg

​Muita gente me pergunta se eu gosto de ter diabetes, devido ao meu envolvimento com o tema. A resposta é não, porque, oras, não é algo divertido ter que aplicar insulina, fazer testes várias vezes por dia… mas é algo com o que consigo conviver sem problemas. Hoje, quando me perguntam qual a melhor coisa que me aconteceu na vida, respondo que “depois de nascer, acho que foi ter diabetes”.

​Mas, claro, isso não aconteceu do nada. Vou contar a história de como isso aconteceu… Pegue a Coca-Cola Zero, o balde de pipocas e prepare a contagem de carboidratos!

 

NO INÍCIO…O DIABETES

​Eu nasci em 1991, na época em que se amarrava cachorro com linguiça. Os mais velhos – errr… deixa pra lá! – devem se lembrar dessa época. Fernando Collor de Melo era o presidente, a inflação era maior do que a enfrentada hoje, a moeda era o Cruzeiro Novo (será?), e a situação do país era tenebrosa para quem… bom, na verdade era ruim pra todo o mundo!

​Na época, devido ao congelamento súbito das poupanças – e outros entraves da economia brasileira -, minha mãe perdeu o plano de saúde que tinha. E aí, onde seria possível fazer um pré-natal? Pois é. Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (guarde este nome!). Eu nasci ali mesmo.

ronaldo wieselberg crianca

​Dois anos depois, minha mãe conta que eu tive uma otite (infecção na orelha) e, depois de algum tempo, comecei com um quadro de muita sede, muito xixi, e comecei a perder peso. Os pediatras diziam que era um quadro infeccioso simples, e que melhoraria com o tempo. Você já viu alguma história assim?

​Um belo dia – na verdade, 19 de setembro de 1993 -, eu simplesmente não acordei. Em pânico, minha mãe correu comigo para o hospital – já mencionado neste texto… – e o chefe do pronto-socorro da pediatria, naquele dia, era um endocrinologista pediátrico. Vendo o quadro, imediatamente solicitou um teste de glicemia… e, bingo!, o monitor não conseguia medir, de tão alta a glicemia. Diabetes mellitus tipo 1.

Foram onze dias em coma. Onze dias durante os quais minha mãe dormiu com a cabeça apoiada nas grades do berço. Onze dias de incerteza. E, então, no décimo-segundo dia, minha mãe conta que acordou com uma mãozinha acariciando os cabelos dela. Eu tinha acordado.

 

COMO ERA CUIDAR DO DIABETES NA MINHA INFÂNCIA

ronaldo-wieselberg-diabetes-tipo-1-crianca-fotoDali pra frente, a vida teve que mudar radicalmente. Eu adorava comer bisnaguinhas com manteiga e geleia no lanche da tarde, por exemplo, e tive que mudar para chá com adoçante e bolachas água-e-sal. Contagem de carboidratos? Apesar de existir desde 1935 na Europa, só começou a ganhar força como terapia para o diabetes em 1994, depois de um grande trabalho sobre diabetes – o Diabetes Control and Complications Trial, o DCCT – e começou a ser usado de maneira isolada no Brasil em 1997. O que se aceitava em 1993 era a restrição e a proibição alimentar – que hoje sabemos não ser o mais efetivo!

​Aplicar insulina – na época, NPH, apenas, no esquema convencional de insulinização (ou seja, sem contar carboidratos, etc…) – era um tormento. Minha mãe tinha um medo terrível de me machucar – aliás, ia doer de qualquer forma, as agulhas não eram tão confortáveis assim…! – e sofria muito, apesar de entender que aquela era a minha necessidade número zero. Teste de glicemia? Desculpe, não. Só na urina, com as famigeradas Glicofitas – e usando uma comparação de cores que variava do “negativo” para o “4+”, nada prático, considerando que os resultados do teste correspondiam à glicemia de algumas horas antes.

 

TEMPOS DE MUDANÇAS

​O tempo foi passando. Confesso não saber como era a vida sem diabetes, mas a minha memória mais remota em relação a isso vem de uns catorze ou quinze anos atrás – a memória falha quanto à data exata.

​No meio da madrugada, depois de um dia em que tinha passado mal depois de comer alguma coisa – que com toda a certeza não me lembro o que era – eu acordei com uma tremenda vontade de ir ao banheiro. Com certeza, minha glicemia estava nas alturas. Fui ao banheiro e, no caminho, ouvi uns sons esquisitos… nunca tive medo de “coisas” em casa, então, nem liguei – além do mais, minha bexiga ia explodir!

​Fiz o que tinha que fazer no banheiro e, criança curiosa que era, fui descobrir o que era aquele barulho. Não parecia televisão – mesmo porque estava tudo às escuras. Parecia… como se alguém estivesse gripado e fungando constantemente. No quarto da minha mãe, inclusive.

​Fui silenciosamente até lá, mas, antes mesmo de chegar à porta, entendi o que estava acontecendo. Minha mãe estava chorando.

 

 

​Um arrepio passou pela minha espinha, e eu senti que não deveria ficar ali. Engoli em seco e voltei rápido para a cama e fiquei pensando no que tinha acontecido.

​A princípio, me senti culpado. Afinal, eu é que tinha comido aquilo que me fez passar mal, e portanto, feito minha mãe chorar. Mas, conforme a noite ia passando – e, claro, não conseguia voltar a dormir – eu cheguei a uma conclusão: não era minha culpa, tampouco culpa dela.

A culpa era do diabetes.

Naquela noite eu prometi a mim mesmo que minha mãe nunca mais choraria por culpa do diabetes. E verdade seja dita, acho que quebrei a promessa algumas vezes…

ronaldo wieselberg congresso internacional de diabetes IDF 2013

​…mas foram lágrimas de alegria. Lágrimas com o primeiro trabalho que fiz na área, em 2011; lágrimas pelo primeiro congresso internacional em 2013; tantas outras que poderia ficar aqui por um bom tempo – mas não gastarei o precioso tempo do leitor.

ronaldo wieselberg campanha diabetes
Participar de campanhas educativas e de conscientização também ajuda a lidar melhor com o diabetes.

ronaldo wieselberg namorada​Deixei de ver o diabetes como problema e passei a vê-lo como oportunidade. Nossos problemas em geral são do tamanho que damos a eles. Ao considerar o diabetes como uma oportunidade, tirei o peso de cima das minhas costas e das costas da minha mãe, claro.

​Hoje minha vida com diabetes é completamente normal. Pratico esportes, saio com meus amigos e minha namorada, como o que tenho vontade – claro que com moderação! -, participo de cirurgias – coisa que muita gente dizia ser impossível…! – e converso com muita gente que tem diabetes sabendo o que é estar dos dois lados da mesa do consultório médico.

 

DICAS PARA UMA BOA CONVIVÊNCIA COM O DIABETES

Muitas mães e pais de crianças com diabetes ficam com medo por seus filhos. Isso é normal, assusta mesmo! Muitos filhos com diabetes também sentem culpa por deixarem seus pais em sofrimento por terem diabetes. E isso também é normal, por mais que mães e pais tentem esconder o sofrimento – sim, nós, filhos, sabemos o que acontece.

​O porém é que isso não pode se tornar um ciclo vicioso – a mãe ou o pai sofre, o filho vê e sofre, a mãe vê o filho sofrendo e sofre mais… -, uma vez que isso prejudica o controle do diabetes, prejudica o ambiente familiar, e predispõe a outras doenças – como, por exemplo, depressão, uma doença tão subestimada quanto o diabetes na sociedade atual.

campanha ronaldo wieselberg young leader
Ronaldo participa de campanha mundial da IDF. Na mensagem: “O governo brasileiro fornece insulina gratuitamente, mas precisa resolver problemas de distribuição e de falta de programas educativos”.

Cabe a cada um refletir, com sua própria consciência, sobre como vai lidar com diabetes e como vai quebrar o ciclo vicioso em potencial. Terapia ajuda? Ajuda, lógico que ajuda! Escrever num blog ajuda? Claro que ajuda!

Mas, sabe o que ajuda mais? Aprender sobre diabetes. Entender exatamente o que acontece e como se portar perante cada situação diminui o medo e diminui o sofrimento por antecipação, o sofrimento diante do desconhecido.

​Não é necessário levar o diabetes como missão de vida. Mas entendê-lo vai permitir que você lide melhor com a sua rotina – e, por que não?, permitirá que você crie conexões com o que quer que faça na sua vida, seja em relacionamentos, seja no trabalho, seja no que for.

​Forte abraço, e até a próxima!

ronaldo wieselberg perfil diabeticoolRonaldo José Pineda Wieselberg tem diabetes há mais de 20 anos. É estudante de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa (FCMSCSP), auxiliar de coordenação do Treinamento de Jovens Líderes em Diabetes da ADJ Diabetes Brasil e Jovem Líder em Diabetes pela Federação Internacional de Diabetes (IDF), com trabalhos sobre diabetes premiados e apresentados no Brasil e no exterior. Apesar de ter o mesmo nome de vários grandes jogadores de futebol, prefere o xadrez.
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