Diabetes e Redes Sociais – uma relação nem sempre saudável!
Todo cuidado é pouco na hora de buscar informações sobre o diabetes na internet. Ronaldo Wieselberg dá dicas de como utilizar com prudência as redes sociais.
POR RONALDO WIESELBERG, ESPECIAL PARA O DIABETICOOL
Algo que tem preocupado muitos profissionais relacionados ao diabetes atualmente é o uso indiscriminado das redes sociais. Será que existe motivo para essa preocupação? Vamos dar uma olhada no antes e depois…
Até 2005, o uso da Internet para a troca de informações era algo mais controlado. Só conseguia compartilhar alguma coisa quem tinha um site ou blog – e não era tão fácil ter um destes quanto hoje em dia. Normalmente, quem tinha um site ou um blog tinha paciência para construir um, tinha mais paciência ainda para ficar atualizando, e uma paciência de Jó para procurar as informações naquela enciclopédia Barsa empoeirada na estante de casa.
Para a atualização dos médicos, por exemplo, a saída eram as diretrizes anuais, que em geral chegavam para os membros de sociedades de especialidades, bibliotecas, em geral de faculdades, com periódicos com vários artigos – e era (na verdade, ainda é!) um inferno encontrar o artigo que você queria no meio de um monte de volumes… – e congressos. Para as pessoas com diabetes, normalmente fora dos meios acadêmicos, restava só a conversa com os médicos e trocas de experiências nas associações.
E agora, chegamos num ponto crítico. Um turco chamado Orkut Buyukkokten – o nome parece estranho, mas você com certeza o conhece – criou, junto do Google, uma rede social chamada “Orkut”, e um americano, chamado Mark Zuckerberg, largou a Universidade de Harvard, nos EUA, para trabalhar numa rede social criada por ele juntamente com um brasileiro, o “Facebook”. Outras redes sociais foram surgindo aos poucos, como o Twitter, o Instagram e houve uma verdadeira democratização da Internet, em especial no Brasil.
À esquerda, Orkut Buyukkokten, criador do Orkut, e à direita, Mark Zuckerberg, co-criador do Facebook.Com o surgimento das redes sociais, é claro que o diabetes seria jogado nesse mundo novo. Os grupos sobre diabetes surgiram e as pessoas com diabetes começaram a se unir. Hoje, o grupo Bate-Papo Diabetes, do Facebook, é um dos principais exemplos em língua portuguesa no mundo.
A coisa é que a informação também foi democratizada. Qualquer pessoa podia ter uma conta em uma rede social e postar as informações que tinha. O problema é que qualquer informação podia ser postada – estivesse ela correta ou não –, e com uma facilidade imensa!
Enquanto tudo isso acontecia, a velocidade das informações crescia rapidamente. Hoje, estamos em um momento em que uma pessoa julga um texto tendo “lido” as informações em cerca de 30 segundos.
Em 30 segundos, mal consigo esquentar leite no micro-ondas. Quem dirá ler e entender um texto…
Hoje, o mundo está cheio de informação, chegando até nós cada vez mais rápido.Isso acontece devido às exigências do mundo. A informação nos bombardeia, de todos os lados, a cada segundo. Parar mais do que isso para ler um texto – como você, caro leitor e cara leitora, está fazendo! – é considerado, por muitas pessoas, “perda de tempo”. Se algo tem mais de 140 caracteres – uma mensagem do Twitter – já é longa demais para prender a atenção do leitor. E, claro, aquela máxima continua verdadeira: “sapientia potestas est”, ou “conhecimento é poder”, em Latim. Então, a conclusão – errada! – à qual muita gente chega é que “perder tempo” com uma só informação deixaria a pessoa “para trás” na corrida de informação do dia-a-dia.
Aí, o que acontece é que as pessoas querem ler tudo, e ler tudo muito rápido! O problema é que, aí, acabam fazendo uma leitura superficial e não refletem sobre o que leram, acabam assimilando tudo sem questionar.
Em outras palavras, estamos perdendo o senso crítico e a capacidade de questionamento, devido a esse turbilhão de informações que recebemos diariamente.
Podemos perceber isso em todos os lugares. Nos consultórios médicos, nos quais as consultas são cada vez mais rápidas; nas escolas, onde os alunos não conseguem prestar atenção às aulas por mais do que cinco minutos por vez; na internet, onde o tempo máximo de atenção que temos é aquele em que o post fica na nossa timeline.
E ONDE ENTRA O DIABETES NISSO TUDO?
Se pegarmos os grupos sobre diabetes, vamos encontrar um padrão assustador nas postagens. A maioria das postagens são dúvidas básicas e que, por vezes, não recebem respostas corretas. Ainda assim, quando recebem respostas corretas, estas são soterradas por várias respostas desatualizadas ou incorretas, mesmo!
A pessoa que perguntou sobre a su a dúvida raramente sabe em qual resposta confiar – uma vez que, na internet, é difícil saber quem é aquela pessoa, e quais as “credenciais” que ela tem para falar aquilo. E aqui mora o problema: quando existem muitas respostas, a pessoa – na maioria das vezes – seguirá aquela que der menos trabalho, ou não seguirá nenhuma. E isso, sim, é preocupante.
A pessoa, em vez de levar o questionamento surgido para o médico com quem faz seu acompanhamento, a coloca em uma rede social e recebe muitas respostas. Em vez de levar o questionamento – e todas as respostas – para o médico (sim, uma segunda vez!) ela escolhe uma das respostas – que pode ou não ser a mais adequada – e assimila – ou pior, assimila todas ou nenhuma, sem pensar nas consequências a longo prazo, varrendo, em seguida, tudo da mente. Afinal, por que lembrar o que foi discutido, se podemos perguntar novamente e receber novas respostas?
Perde-se, assim, uma chance de ouro de gerar uma discussão saudável, por exemplo, questionamentos sobre os tratamentos atuais, diferenças entre tratamentos e condutas seguidas.
E, como se não fosse ruim o suficiente, uma parte das postagens, em vez de troca de informações, está chegando ao ponto de praticamente se tornar consultórios entre amigos.
Sim, exatamente isso que você leu. Pessoas indicando seus tratamentos pessoais, umas para as outras, a partir do princípio de que “se dá certo para um, dá certo para todos”. Nesse caso, a expressão “meu médico receitou” acaba sendo uma espécie de selo de garantia para o que é dito, tirando o peso da consciência da pessoa que faz esse tipo de postagem.
Sem entrar no mérito jurídico da questão – uma vez que, se o que eu aprendi na faculdade estiver certo, isso seria prática ilegal da Medicina, o que é crime no Brasil –, é uma senhora irresponsabilidade fazer isso, já que não sabemos o quadro clínico de cada pessoa com diabetes. Tanto que, devido às diferenças de cada caso clínico, é que existe essa verdadeira constelação de medicamentos e opções terapêuticas.
Se acha que eu estou sendo alarmista, veja essa postagem, no Facebook, de alguns dias atrás.
Para melhor entendimento, podemos ver a questão de prescrever medicamentos sem saber se o quadro é exatamente aquele. Um monte de causas poderiam ocasionar esse sintoma de coceira. Vermes, proliferação bacteriana, fungos, etc… Só mesmo um médico poderia examinar e descobrir a causa.
E, o pior. O fluconazol é um medicamento antifúngico que induz alterações no fígado, e pode ter interações importantes com outros medicamentos – dependendo do medicamento, causar problemas bem sérios. Por isso, ele é indicado com receita médica.
E um dado alarmante sobre isso: uma das principais causas de óbitos – ou seja, mortes – no Brasil é a automedicação. Até mesmo um inocente paracetamol pode levar à morte, por ser tóxico ao fígado em altas quantidades.
O Marco Civil da Internet – apesar de bastante criticado – também pode ser incluso aqui. Dentre outras coisas, ele estabelece que cada pessoa será responsável por tudo o que postar na internet, e também por suas consequências. Isso significa que uma pessoa que indique uma conduta errada será responsável pelas consequências que causar.
A ideia é fazer com que as pessoas reflitam antes de agir. E, como diria uma escritora da qual eu gosto muito, “se não vai pelo amor, vai pela dor”.
Bem, e qual a solução? Será que são as redes sociais o grande vilão da história.
Não, não são. A coisa é que as pessoas precisam se conscientizar do que fazer e do que não fazer na internet. Seria algo como “etiqueta na internet”, por assim dizer.
As iniciativas para que isso ocorra são simples:
- Pense sobre o que acabou de ler. Será que é verdade? Qual a fonte dessa informação? Será que serve para mim – uma vez que cada tratamento é pessoal? Será que essa informação não mudou?
- Leia o que escreveu antes de postar. Será que o que eu escrevi é verdade? Essas informações podem ser confirmadas em algum lugar? Será que não estou prejudicando ninguém com essa informação?
- Procure suas informações em fontes confiáveis. Sites como o Diabeticool, o site da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), fontes científicas como o MedScape e o PubMed (em inglês, os dois!) e conversas com sua equipe de saúde – médico, enfermagem, nutricionista, educador físico, psicólogo e educador em diabetes – são a melhor maneira de confirmar a informação e ter boas discussões e questionamentos sobre o assunto.
- Não indique medicamentos ou tratamentos. Por melhor que seja a sua intenção, pode ser que aquele não seja o mais indicado a se fazer no caso. A conduta a ser tomada é procurar auxílio médico, uma vez que este é o profissional indicado para prescrever tratamentos e medicamentos.
Bem, depende de nós mudar esse panorama – até o momento, meio desanimador – do diabetes nas redes sociais. Posso contar com você, caro leitor, cara leitora?
Como já dizia meu amigo Mohandas Gandhi (o Mahatma), “seja a mudança que você quer ver”.
Escrito em colaboração com Claudia Labate, Young Leader in Diabetes pela IDF, Ex-Regional Council da região IDF-SACA para o programa YLD da IDF (2011-2013).
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