Conversas com Amigos – Karl Reinhard
Diabeticool conversa com o professor Karl Reinhard, líder da pesquisa sobre as origens genéticas e históricas do diabetes.
Quando publicamos notícias na seção “Ciência” aqui do site, em 99% dos casos vamos contar a história de alguma pesquisa recente na qual cientistas de jaleco branco, dentro de seus laboratórios com ar-condicionado e ambiente controlado, lançam luz sobre os mistérios do diabetes. Eventualmente, porém, podemos dar a sorte de nos deparar com os exóticos pesquisadores que compõe o 1% restante. São cientistas que, de maneiras inimagináveis e inesperadas, também auxiliam a Ciência a progredir, deixando-nos mais próximos de um novíssimo tratamento ou cura para a doença. E fazem isso sem jalecos brancos ou aparelhos de ar-condicionado. É, indubitavelmente, neste grupo de cientistas raros que encontramos Karl Reinhard, professor da Universidade de Nebraska-Lincoln. Passeie por uma quente e abafada floresta tropical, ou então um sítio arqueológico antiquíssimo, e você poderá se deparar com um simpático senhor de barba engraçada e bermuda curta, concentrado em seus pensamentos. Quem diria que ele está ali buscando entender como é que o diabetes surgiu…
Bem pertinho de nós
O início da carreira do professor Reinhard o trouxe para bem perto de nós, brasileiros. Trabalhando como arqueólogo, Karl estudou, durante as décadas de 1980 e 1990, múmias no Chile e no Peru. Mais especificamente, estudou o conteúdo estomacal destas múmias, a fim de entender o que era comum os povos antigos comerem. Foram centenas de múmias analisadas por ele e seus alunos. As pesquisas resultaram em novos métodos de datação de corpos, de identificação de restos de alimentos e revelaram novas informações sobre o início da agricultura na América do Sul.
A partir de 1985, o escopo de pesquisa de Karl Reihard aumentou. Conta o pesquisador: “O foco principal da minha carreira entre 1985 e 2005 foi encontrar explicações para padrões modernos de doenças nos registros arqueológicos e históricos. Eu desenvolvi uma nova área de especialização, chamada de arqueoparasitologia. Esta é uma maneira de entender a evolução de doenças parasitárias”. A arqueoparasitologia está intimamente ligada aos climas tropicais, onde este tipo de doença é mais comum. Com isso, não demorou para que Karl colocasse os pés no Brasil. Desde 2001, o professor norte-americano ministra aulas e cursos para a Fiocruz, no Rio de Janeiro, sobre sua área de especialização.
Todos estes trabalhos com múmias, parasitas e doenças aguçaram a curiosidade do pesquisador e fizeram-no ganhar experiência o suficiente para atacar uma questão bem maior: sabendo o que os povos antigos comiam, será possível entender o porquê da prevalência de certas doenças nas populações de hoje?
O diabetes entre em cena
Sendo arqueólogo de formação, e pesquisador multidisciplinar por vocação, Reihard travou desde cedo contato direto com populações indígenas – tanto as atuais quanto as de 10 mil anos atrás! Uma coisa sempre o intrigou: porque será que dentre os índios dos Estados Unidos certas doenças possuem tão grande prevalência? Por exemplo, índios americanos têm o dobro de chances de desenvolver diabetes do que os brancos. Se a origem do problema estiver nos modos de vida dos antecessores destes índios, Karl, com seus dons de cavocar o passado, poderia ser capaz de achar a chave do mistério…
Para se entender o diabetes de hoje, é fundamental compreender os modos de vida dos nossos ancestrais de milhares de anos atrás.Foi com esta idéia na cabeça que o pesquisador deu início às pesquisas sobre a origem do diabetes. Desde que começou os trabalhos, Karl já coletou informações sobre a dieta de povos antigos que cobrem um período de mais de 10 mil anos. Quando analisados junto com novos dados sobre a nutrição dos povos antigos, os trabalhos do professor ajudam a entender como é que a ingestão de certas plantas e animais contribuíram para a evolução do metabolismo humano.
A incrível história genética do diabetes americano
A mais recente pesquisa de Karl Reinhard é revolucionária. Comentado aqui no site na semana passada, o estudo joga uma pá de terra sobre teorias até então acreditadas que explicariam porque os índios sofrem mais de diabetes, além de sugerir novas soluções para o problema. Através da análise de coprólitos (cocô fossilizado), Karl e sua equipe acreditam que a dieta dos índios antigos (mas antigos mesmo, que viveram há milhares de anos!) era praticamente toda composta por milho e sementes de plantas. Comidas contendo altas taxas de carboidratos e gorduras eram a exceção para estes povos. Assim, os cientistas argumentam, genes que auxiliavam o corpo a “guardar” estas raras fontes de energia evoluíram juntamente com os índios. O problema é que hoje em dia, diferente de antigamente, é muito fácil conseguir alimentos ricos em açúcares e gorduras. Os genes do passado continuam fazendo o seu trabalho, que é o de “guardar” essa energia. O resultado? Sobrepeso, obesidade…e diabetes.
Clique na figura para ler a nossa matéria sobre a mais recente pesquisa do professor Karl!Como é que o pessoal vivia antigamente?
O professor Karl contou com exclusividade para o Diabeticool como é que os povos da época das cavernas, em especial aqueles do continente americano, viviam. Segundo ele, os povos que habitavam o sul dos EUA e norte do México nunca desenvolveram uma agricultura que eliminasse a necessidade de saírem à mata em busca de alimento. Algumas plantas como o agave e um tipo de milho bastante diferente do que conhecemos hoje eram cultivadas, mas não chegavam a suprir as demandas de energia da população. O estilo de vida “caçador-coletor” predominou nas Américas até a chegada dos europeus.
Já que as taxas atuais de diabetes entre os índios e brancos são tão diferentes, e já que a predominância do diabetes tem a ver com a alimentação dos nossos ancestrais, perguntamos para Karl quais eram as semelhanças e diferenças nas dietas dos ancestrais destes dois grupos.
“Os europeus herdaram o cultivo do trigo (variedades emmer e durum), cevada, milhete, aveia e centeio. Com estes eles fizeram pães, cerveja, massas (com o trigo durum). Tudo isso são fontes mais concentradas de carboidratos do que as comidas dos nativo-americanos dos EUA e do México. Eu tenho analisado múmias e túmulos da Bélgica, Itália e da Holanda. As evidências destes enterros mostram que grãos compunham a maior parte das fontes de calorias da população européia. Todavia, pessoas pobres que viveram há 1000 anos na Europa ainda comiam um monte de fibras, na forma de restos de cereais. Eu acredito que nativo-americanos comiam mais ossos. Ossos eram um componente comum na dieta dos antigos nativo-americanos porque animais pequenos eram intensivamente caçados. Mais de 80% dos coprólitos de caçadores-coletores contêm pequenos ossos de animais”, diz o professor.
Trigo, um dos segredos da dieta “anti-diabética” dos europeus do passado.Alerta e Futuro
Especialista no passado do diabetes, Karl faz alertas também sobre o futuro da doença. Segundo o cientista nos contou, a tendência de altas taxas de diabetes entre os índios não é restrita apenas aos EUA. Os nativos brasileiros também devem se cuidar. Karl indica um livro de 2004, “The Xavante in Transition: Health, Ecology, and Bioanthropology in Central Brazil” (“O Xavante em Transição: Saúde, Ecologia e Bioantropologia no Brasil Central”, em tradução livre; o livro pode ser comprado AQUI), que demonstra como o diabetes está preocupantemente se infiltrando nas nossas populações de índios, possivelmente pelos mesmos motivos genéticos e históricos já revelados. “Eu acho que é muito importante passar a mensagem dos EUA para o Brasil sobre mudanças alimentares antes que o diabetes se torne uma epidemia no país”, afirma o professor.
Para isso, Karl pretende continuar vindo para o Brasil, tanto para estudar melhor nosso país quanto para continuar a dar aulas e palestras para alunos sedentos de conhecimento. Suas próximas pesquisas serão aqui ao lado, nos Andes, portanto não será difícil vê-lo por nossas terras. Este mês fará uma parada no Rio de Janeiro. Quer preparar o terreno para explicar os problemas dos índios americanos com o diabetes. E, com alguma sorte, incentivar alguns novos jovens cientistas a largar seus jalecos brancos e suas salas com temperatura controlada e botar o pé na estrada, sujando a roupa de lama enquanto desenterram mais mistérios sobre a origem de tão antigo e importante problema de saúde.
Remissão do diabetes tipo 2 é uma realidade cada vez mais frequente, afirmam entidades médicas
Um dos termos mais procurados junto com “diabetes” é “cura“. Afina…