A História do Diabetes – Parte 1 – da Antiguidade ao Século XIX
Sabia que o diabetes já era conhecido lá no Egito Antigo? Você consegue imaginar como os médicos da época de Cristo tratavam a doença? Descubra mil curiosidades nesta série especial!
POR RONALDO WIESELBERG
A maioria das pessoas acredita que o diabetes é uma doença recente, devido à enorme quantidade de casos que surgem ano após ano – de acordo com os dados mais recentes da IDF (Federação Internacional de Diabetes), já somos 382 milhões, sendo que 46% não sabem que têm diabetes.
A verdade é que o diabetes é uma doença muito antiga. Para falar a verdade, ela sempre existiu, mas como os pacientes morriam muito rápido – já que pouco se sabia de medicina e de qualquer eventual tratamento – não tivemos relatos até cerca de 1500 antes de Cristo.
O primeiro relato que se tem do diabetes é de um papiro da Terceira Dinastia Egípcia, que data de 1552 a.C., no qual o médico Hesy-Rá, no Papiro de Ebers, menciona uma doença que causava poliúria – muito xixi –, polidípsia – muita sede –, e polifagia – muita fome –, além de ter uma perda de peso rápida. Os curandeiros da época também notaram que a urina dessas pessoas atraía formigas, mas não sabiam dizer o porquê.
O tratamento recomendado pelos médicos daquela época era completamente natural: óleo de rosas, geleia da carne de cobra, coral vermelho em pedaços, amêndoas doces e até mesmo esterco de cabra cozido em leite. É necessário dizer que NÃO FUNCIONA! Os médicos da época classificaram a doença como uma das mais difíceis de se viver.
O pai da Medicina árabe, Buqrat, também relatou alguns casos de uma misteriosa doença, que era resumida em “grande quantidade de urina e definhamento da pessoa”. A expectativa de vida, naquela época de 460 a.C., para uma pessoa com esse quadro, raramente passava de um mês. Buqrat foi um médico comparado a Hipócrates, o pai da Medicina ocidental, que também inspirou Areteu e Galeno, nossas próximas figuras históricas.
Areteu foi um médico nascido na Capadócia – região da atual Turquia – que pode ser considerado o “pai” do diabetes. Ele foi o primeiro, no primeiro século depois de Cristo, a descrever com perfeição os sintomas da doença, e também credita-se a ele o “batizado” da doença, chamando-a de diabetes, a partir da palavra grega que significa “sifão”, indicando a principal característica diagnóstica: o grande fluxo de xixi. A descrição dada por ele foi de que o diabetes era “uma doença terrível, não muito frequente nos homens, caracterizada pelo derretimento da carne e dos membros e sua expulsão pela urina”.
Depois dele, Galeno, um dos maiores médicos da Antiguidade, discutiu o diabetes em muitas de suas obras. Mesmo tendo visto apenas dois casos da doença, ele a caracterizou como diarrhoea urinosa, ou seja, “diarreia de urina” e dipsakos, ou seja, “a doença da urina”. Baseando-se nos sintomas, ele diagnosticou o diabetes erroneamente como uma doença dos rins. As obras de Galeno influenciaram a medicina até a Idade Média.
No Ocidente, esse foi o máximo de informações que conseguimos até o século XI, até que o pensamento científico foi retomado lentamente. Porém, os estudos a respeito do diabetes continuaram no Oriente, mais precisamente, na Índia.
Susruta, um dos maiores médicos indianos da antiguidade, durante o período entre os séculos V e VI notou o mesmo quadro de urina em grande quantidade, em geral, adocicada, grudenta ao toque, e tremendamente atrativa às formigas. O nome dado para essa doença, na Índia, foi de “madhumeha”, que significa “urina melada”. Outros médicos, na China e no Japão também perceberam esse quadro à mesma época, e também perceberam que os pacientes que tinham esse quadro eram mais propensos a desenvolver outras doenças, como algo que se assemelha à tuberculose.
Na Índia, ainda, os médicos conseguiram descrever dois tipos diferentes de diabetes. Um deles afetava pessoas mais jovens, que emagreciam rapidamente e morriam em questão de semanas. Outro tipo era mais comum em indivíduos mais velhos, em geral mais gordos, que não emagreciam tanto, demoravam mais para morrer, e eram propensos às outras doenças da época. Hoje, conhecemos, respectivamente, esses dois tipos de diabetes como “tipo 1” e “tipo 2”.
No século XI, o médico persa Avicena, em sua obra “O Cânone da Medicina”, relata o apetite anormal dos pacientes com essa doença, além de ter sido o primeiro a notar algumas coisas relacionadas às complicações, uma vez que os pacientes com a doença chamada de “diabetes” tinham um tipo de gangrena diferente e prejuízo das funções sexuais. Ele recomendava como tratamento uma mistura de sementes, como tremoço e feno-grego. Funcionava tanto quanto o cocô de cabra com leite.
A coisa é que Avicena também encontrou outra doença, muito parecida com a anterior. Também eram pacientes que bebiam muita água e faziam muito xixi, mas a urina destes pacientes não atraía formigas e eles não tinham tanta fome. Hoje, conhecemos esse tipo de diabetes como “diabetes insipidus”, que está relacionado com um hormônio chamado vasopressina, ou hormônio antidiurético.
Até o século XI, o diagnóstico do diabetes era feito por uma classe chamada de “provadores de água”. Essa classe tinha a missão de provar a urina dos pacientes, e, caso fosse adocicada, o paciente era diagnosticado. Muitos dos pacientes, porém, não tinham a urina adocicada, e acabavam não sendo diagnosticados e morrendo por “causas desconhecidas”.
Tivemos pouco progresso em relação ao diabetes até o século XVI, quando Paracelso, um médico suíço, estudou a doença. Ele esquentou a urina de uma pessoa diagnosticada com diabetes até evaporar toda a água. No fundo do recipiente ficou um pozinho branco. Ele, erroneamente, disse que era sal, e concluiu que “o sal do corpo fazia os rins terem sede, retinham a água e aumentavam a quantidade de urina, de maneira a eliminar o sal”. O tratamento que ele recomendava era exercício físico – particularmente andar à cavalo – o que tinha relativo sucesso. Paracelso foi o primeiro na história a considerar o diabetes uma doença generalizada, e não apenas de um órgão.
Depois disso, com o progresso da ciência e estudos da Fisiologia Humana, o diabetes também teve maior entendimento. Em 1674, Thomas Willis chamou o diabetes de “mal da urina”, e postulou que a doença tivesse início no sangue. Ele dizia que o “quilo” era maldigerido, e se acumulava no sangue. Os rins, então, expulsavam aquilo pela urina.
Durante esse mesmo período, alguns estudos chegaram bem perto de descobrir a causa principal do problema. Um dos estudos, que envolvia a remoção parcial do pâncreas de um cachorro, causou um quadro muito parecido com o do diabetes. Mais um estudo mostrou uma análise do pó encontrado por Paracelso, concluindo que era algum tipo de açúcar. Outro, separou os tipos de diabetes reconhecidos à época, que já tinham sido descritos pela primeira vez por Avicena: diabetes mellitus, do grego, “doce como mel”, devido ao sabor adocicado da urina e diabetes insipidus, do grego, “insípido, sem sabor”, devido à falta de sabor da urina, além de relatar algo que se parecia com uma retinopatia e o cheiro de fruta estragada diante de alguns pacientes – que hoje sabemos ser característico da presença de cetonas.
Durante o século XVII, de maneira geral, concluiu-se que o problema com o diabetes era a dieta. Decidiram, então, estudar a dieta com maior atenção. Descobriram, então, que o consumo de carboidratos prejudicava os pacientes com diabetes, e decidiram cortá-los da dieta, trocando os carboidratos, como pão e batatas, por carnes e alimentos gordurosos. A maioria dos pacientes respondeu bem a esse tratamento… Por algum tempo. Curiosamente, um médico francês tinha uma terapia de “reposição”. Como a pessoa com diabetes perdia muita glicose pela urina, ela devia, então, repor tudo o que perdeu comendo o máximo de açúcar que conseguisse. Não durou muito tempo.
Em 1869, o alemão Paul Langerhans observou ao microscópio algumas células que não tinham as mesmas conexões que as outras células do pâncreas, não ficavam da mesma cor na preparação e pareciam enclausuradas entre as outras. Ele se limitou a descrever o que viu, sem pensar em nenhuma hipótese para o funcionamento delas. Coube, então, ao francês Edouard Laguesse, em 1893, sugerir que as “ilhotas de Langerhans” – hoje chamadas de ilhotas pancreáticas! – eram um tecido que secretava alguma coisa, e que seriam indispensáveis ao funcionamento do organismo.
O tratamento mais efetivo até então para o diabetes surgiu em 1871. Durante a Guerra Franco-Prussiana, o racionamento de comida foi inevitável, e muitos franceses morreram de fome. Um médico, porém, chamado Apollinaire Bouchardat, percebeu que os pacientes com diabetes tinham uma vida quase igual à dos outros habitantes: a urina aparentava menos glicose, e eles estavam tão magros quanto o resto da população – nada muito animador, mas, foi um fator de semelhança bem-vindo.
Surgiu, então, o chamado “tratamento de inanição”. A quantidade de alimento seria suficiente apenas para manter a pessoa com diabetes viva, e a pessoa deveria se exercitar, já que a terapia de exercício já havia se mostrado satisfatória. Cada deslize alimentar poderia realmente matar a pessoa. Com esse tratamento, a pessoa emagreceria drasticamente, ficando pele e osso, mas sobreviveria. Por pelo menos um ano após o diagnóstico, um aumento de quase cinco vezes a expectativa anterior.
No final do século XIX, porém, algo aconteceu. No Canadá, em 1891, em uma fazenda ao norte de Toronto, nascia Frederick Banting. Com ele, ocorreria o que foi chamado de “milagre da medicina”…
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