Proteína de tecido adiposo ativa inflamação que causa diabetes
Acreditava-se até a década de 1990 que a única função da proteína RBP4 no organismo era transportar vitamina A.
Já está bem estabelecida na literatura científica a relação entre obesidade – principalmente gordura visceral –, inflamação sistêmica crônica e o desenvolvimento de distúrbios metabólicos como diabetes.
Em artigo publicado em março na revista Cell Metabolism, pesquisadores da Harvard University, nos Estados Unidos, descreveram o papel de uma proteína secretada pelo tecido adiposo e pelo fígado – a RBP4 – na ativação das células de defesa produtoras de substâncias inflamatórias e na consequente indução da resistência à insulina.
– Mostramos que a RBP4, uma proteína encontrada em concentrações duas ou três vezes mais altas em obesos e diabéticos, funciona como gatilho para a inflamação no tecido adiposo. Essa molécula é, portanto, um alvo para novos medicamentos – disse o brasileiro Pedro Moraes-Vieira, autor principal do artigo, atualmente em pós-doutorado em Harvard sob a supervisão de Barbara Kahn, professora da Divisão de Endocrinologia.
De acordo com o pesquisador, acreditava-se até a década de 1990 que a única função da proteína RBP4 no organismo era transportar vitamina A. No entanto, estudos epidemiológicos recentes com humanos indicaram haver correlação entre resistência à insulina, inflamação sistêmica e concentrações elevadas de RBP4.
Em 2005, uma pesquisa coordenada por Kahn e feita com camundongos mostrou que a expressão da proteína RBP4 aumentava à medida que animais sadios se tornavam resistentes à insulina.
– Até esse momento, não estava claro o mecanismo pelo qual a elevação da RBP4 induzia o distúrbio metabólico. Nosso estudo tinha o objetivo de entender como essa proteína poderia modular a inflamação, principalmente no tecido adiposo – explicou Moraes-Vieira.
Para fazer a investigação, o grupo usou um modelo de camundongos transgênicos capazes de expressar a proteína RBP4 nas células musculares.
– Nossos animais apresentavam o mesmo grau de elevação na concentração sanguínea de RBP4 observado em humanos obesos ou diabéticos, ou seja, cerca de três vezes maior que o normal. Os camundongos transgênicos tornavam-se diabéticos por volta da sexta semana de vida, embora permanecessem magros – contou Moraes-Vieira.
Enquanto nos ratos a elevação da RBP4 era resultante da transgenia, no caso dos humanos acredita-se que possa ser causada pelo aumento do tecido adiposo visceral ou pelo estresse metabólico provocado pelo acúmulo de gordura no fígado, explicou o pesquisador.
Quando os animais transgênicos completaram de oito a dez semanas de vida, os pesquisadores mediram o índice de massa corpórea (IMC), a porcentagem de gordura e de massa magra, as concentrações de ácidos graxos e colesterol no sangue e fizeram testes de tolerância à glicose e à insulina.
Ao comparar os resultados com os do grupo controle, formado por camundongos com concentrações normais de RBP4, o grupo transgênico apresentou diferença apenas nos testes de tolerância à glicose e à insulina, que confirmaram o diabetes.
Após o sacrifício dos roedores, os pesquisadores avaliaram a presença de substâncias inflamatórias no tecido adiposo visceral e subcutâneo, no baço, nos linfonodos e no fígado.
– Observamos uma grande inflamação no tecido adiposo visceral, com ativação tanto de células do sistema imune inato quanto do sistema imune adaptativo. Vimos também uma inflamação moderada no fígado, com ativação apenas do sistema imune inato. Isso porque a RBP4 tende a se acumular mais no tecido adiposo – contou Moraes-Vieira.
Por meio de uma técnica conhecida como citometria de fluxo – usada para contar, fenotipar, examinar e classificar células –, os pesquisadores analisaram os leucócitos presentes nos tecidos inflamados.
– A literatura científica relata a existência de dois tipos de macrófagos no tecido adiposo visceral, um pró-inflamatório e outro anti-inflamatório. Observamos que a proteína RBP4 faz com que macrófagos anti-inflamatórios também comecem a produzir citocinas pró-inflamatórias. Esse macrófago transformado ativa o sistema imune adaptativo e induz a produção de linfócitos T CD4 do tipo TH1 – contou Moraes-Vieira.
De acordo com o pesquisador, as células do tipo TH1 são especializadas em secretar uma substância inflamatória chamada interferon-gamma (IFN-γ). Em excesso, essa citocina interfere na sinalização dos adipócitos, ativa ainda mais os macrófagos e impede a ação eficiente da insulina.
Para testar a hipótese de que eram os macrófagos – considerada uma das células apresentadoras de antígenos (APCs, na sigla em inglês) – os responsáveis pela ativação do sistema imune adaptativo e a consequente indução da inflamação, o grupo realizou outro experimento.
– Isolamos células dendríticas de camundongos, que são um outro tipo de APC, as ativamos com RBP4 e as infundimos em camundongos sadios. Após seis semanas de infusões semanais, os animais ficaram diabéticos e desenvolveram inflamação no tecido adiposo visceral, com grande concentração de linfócitos do tipo TH1 – contou Moraes-Vieira.
Um terceiro experimento feito também com animais transgênicos revelou que uma via de sinalização celular mediada pela proteína JNK é fundamental para que o efeito inflamatório desencadeado pela RBP4 aconteça.
Segundo o pesquisador, o papel-chave da RBP4 no desenvolvimento de diabetes tipo 2 em obesos já despertou o interesse da indústria farmacêutica.
– Há uma empresa investigando imunobiológicos potencialmente capazes de diminuir a concentração de RBP4 na circulação. Isso ajudaria a diminuir a inflamação no tecido adiposo e, teoricamente, melhoraria a resistência à insulina – afirmou.
Fonte: Zero Hora
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